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GRAMOFONE

às voltas com os discos às voltas.

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[ENTREVISTA] Sun Shy Boy: emoções à flor da música.

O Gramofone está de malas aviadas para o Le Guess Who?, festival que reúne em Utrecht uma miríade de programas, focando-se no universo da música experimental e avant-garde, recorrendo a uma descrição em traços largos. No âmbito desta aventura musical, decidimos sentir o pulso de um dos artistas locais que participará na programação do Mini Le Guess Who?, que decorrerá no derradeiro dia do festival, e que se concentra totalmente em jovens bandas e músicos holandeses.

Foi neste contexto que lançámos o desafio a Sun Shy Boy para uma conversa à distância, na qual nos debruçámos igualmente sobre o seu mais recente registo: o EP “It's So Nice To Die”. Sun Shy Boy vale como a personalidade musical de Emile Lagarde, que tece composições complexas dentro duma embalagem lo-fi, sempre com emoção a rodos e os sentimentos na ponta da voz. Para esta entrevista feita à distância por email, o Sun Shy Boy Emile pediu a alguém que lhe colocasse as nossas perguntas presencialmente, para torná-la mais natural, algo que lhe agradecemos especialmente.

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GRAMOFONE: Podemos afirmar que a música foi uma ferramenta que utilizaste para exorcizar os teus fantasmas? Como é que esse processo influenciou o género de música que fazes?


SUN SHY BOY: Podes afirmá-lo, sim. Não sei se tenho fantasmas, mas tenho imensos sentimentos, incluindo alguns pesados. Uso a música para explorá-los, deixá-los respirar. Faço um buraco no meu corpo para os deixar sair, ver e ouvi-los. Tenho alguns registos em que a minha voz é mais extrema, cantando bastante alto, mas depois de ouvir apercebo-me que exagerei. Noto que, por vezes, preciso submeter-me a isso, para que depois possa alcançar um registo mais calmo, mas ainda recheado de emoção. As minhas letras são maioritariamente improvisadas, e altero-as mais tarde ou mantenho, deixando-as fluir como diz ILoveMakonnen.
Relativamente à influência que essas emoções tiveram no tipo de música que escrevo, parece-me que tornaram o som desconfortável e mais inquieto para o ouvido, planando sobre o marasmo e a depressão, comprimindo e espremendo os sentimentos para o exterior.


GRAMOFONE: Dado que também estás envolvido com outras artes, como olhas para a música? Como parte de um todo artístico ou tem uma finalidade específica para ti?


SUN SHY BOY: A música é algo que sempre tenho feito paralelamente ao resto, dado que nunca a vi como a minha ocupação principal. Mas tem sido sempre algo que consegui fazer isoladamente, mesmo enquanto fazia outras coisas, como dança, coreografia, pintura, escrita, desporto, estudar. Nunca imaginei que se tornasse na principal ocupação e, no fundo, continua a ser uma actividade paralela, que pratico enquanto vou vivendo a minha vida. Mas acabo sempre por ir compondo.


GRAMOFONE: O EP “It's So Nice To Die” foi o teu primeiro lançamento através da Freeride Millenium. Que mudanças trouxe esta experiência quando comparada com os teus trabalhos anteriores?


SUN SHY BOY: Nos trabalhos anteriores fiz tudo sozinho, e esta foi a primeira vez que trabalhei com uma editora externa. Foi bastante agradável, visto que são muito amigáveis, e ajudaram-me com a parte visual e a masterização do EP. Senti-me verdadeiramente estimulado ao ter esse apoio de pessoas que nem conhecia, mas nas quais fui confiando com o tempo. Dado que não eram meus conhecidos, sei que o apoio que me prestavam era simplesmente baseado na imagem e na música que o meu primeiro EP “Himalaya” (publicado no Soundcloud) lhes tinha transmitido, o que se senti desde logo como um apoio muito puro, que é óptimo sentir.


GRAMOFONE: É curioso porque este mais recente EP combina múltiplos géneros musicais, mas ainda assim tem um espírito muito minimalista. Foi algo propositado ou sucedeu naturalmente ao longo do processo de composição?


SUN SHY BOY: Não decido conscientemente os géneros, apenas recaio sobre aqueles que me agradam. Acho que o sentimento minimalista que descreves advém duma forma rápida e fluida de produzir a música. Tento ser rápido porque quero que ocorra algo espontâneo e que me transmita algo de forma instantânea. Posteriormente posso canalizar a minha voz e as minhas emoções tal como escutei a canção pela primeira vez. Quando penso demasiado, acabo invariavelmente por utilizar a primeira gravação, que depois misturo e produzo, mas conseguindo assim preservar a frescura e crueza. Procuro sempre combinar estes dois extremos.


GRAMOFONE: Como vês o papel do Mini Le Guess Who, dentro de um evento tão abrangente como o Le Guess Who? Quais são as tuas expectativas como artista e como espectador?


SUN SHY BOY: Não sei bem. Nunca fui ao Le Guess Who e nem sei bem aquilo que o programa Mini representa. Apenas desejo ouvir a boa música que estará por lá. Por isso estou feliz por poder tocar. As minha expectativa é que estarão algumas pessoas a assistir ao meu concerto, num cenário de bar/café. Vai ser a primeira vez que toco com banda, dado que o Thor Küchler e o Thomas Jaspers vão acompanhar-me. Nunca tocámos juntos e apenas ensaiámos durante um fim-de-semana, portanto nem sei bem como vai correr, ou como vai soar para o público. Vou tocar igualmente no programa da Standed FM, que integra o plano do Le Guess Who, e aí será a solo. Será interessante poder oferecer duas vertentes distintas do concerto com as mesmas canções, mantendo-a fluida.